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Todos os textos © por Igor Barbosa ou devidamente creditados.

1/27/2005

O céu dos brasileiros 

Quando as pessoas morrem, devem ir para o céu, a maioria delas. Deus é misericordioso. Mas acontece que há muitas moradas na casa do Pai; de forma que Deus pode deixar que entrem no céu todos os atletas de Cristo, que não vão me incomodar com seus pagodes evangélicos e cerveja sem álcool – basta que Deus os mande para a zona norte do paraíso, para uma churrascaria etérea, o que não vai deixar de ser celestial para eles.

Talvez haja regiões, cidades celestes para todos os tipos de gente, mesmo os crentes de subúrbio, os crentes de TV, os ecochatos, os fabricantes de guarda-chuvas. E deve existir um paraíso para os brasileiros que não desistem nunca.

Quando eles morrem, vão para o limbo, que é uma padaria com pagode e churrasco, numa tarde de sábado. Cartazes xerocados de um original todo impresso em Comic Sans avisam:

MEGA ESCURSÃO PARA O
PARAÍSO

Dia: XX/XX, saída as 07:30 hs
Saída do Largo do Rodão

Contato: Valdson

E no dia combinado, antes das 08:30 todo mundo já está pronto para sair, inclusive o ônibus com uma pintura de ilha com coqueiro e sol, Jéssicatur, que acabou de chegar. Jéssica é o nome da filha do dono da empresa de viação, que coincidentemente é também o motorista, e por coincidência maior ainda só tem aquele ônibus.

Começa a alegre viagem. Os jovens vão todos cantando “chora bananeira, bananeira chora, chora bananeira, meu amor não vá embora”. Uma coroa no segundo banco atrás do motorista já tirou a blusa, calor que tá fazendo, e está usando um chapeuzinho rosa para cobrir a parte de cima do seu biquini azul-marinho esbranquiçado e um pouco da sua banha branca azulada.
No meio do caminho, o ônibus pára e deixa algumas pessoas no purgatório. A rapaziada começa então a cantar “Au, au, au, vai descer quem mora mal”, e o motorista põe de novo o pé na tábua, enxugando o suor da testa e do bigode com uma toalhinha azul.
Agora faltaria pouco, se o motor do ônibus não fosse morrer mais à frente. Mas o motorista, que também é brasileiro e não desiste nunca, resolve a situação com facilidade, e a colaboração dos passageiros que desceram e empurraram o carro.
Chegando no céu é só alegria. Forma-se uma fila, ou algo semelhante, e os jovens, sempre eles, puxam: “Eu / sou brasileiro eu sou / e vou pro céu eu vou / e ninguém vai me segurar - Nem o capeta!”. São Pedro tenta organizar a fila, que a essa altura já tornou-se um completo mafuá.
Todos com menos de trinta anos pulam que nem as crianças atrás das câmeras em um bairro pobre; quando um anjo age com um pouco mais de energia para organizar a entrada das pessoas, um sujeito de uns quarenta anos, de cavanhaque, berra que vai “dar queixa ao diretor”. Uma gorda comenta “será que eu passo nessa roleta, olha que porta estreita”.
Todos entram e a festa começa, se é que se pode dizer já não havia começado. Churrasco, pagode, sinuca, piscina. Aparece então alguém que deve ser do clube, pois não veio no ônibus. Barba e cabelos longos, não muito ordenados. Expressão de quem carrega nos olhos toda doçura e justiça.
É ele. Um dos adolescentes cochicha para outro: “É ele, cara. Eu sei que é ele. Meu ídolo, tenho uma camisa com esse rosto estampado. Vou lá falar com ele”.
E sai correndo na direção do barbudo, gritando: “Che! Che! Que prazer te ver por aqui! Me dá um autógrafo?”

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1/26/2005

Meu Tratado Lógico-Filosófico, Prefácio 

Essa é mais uma que descobri cedo. Todas as minhas descobertas foram precoces - em parte por causa de minha natureza filosoficamente ociosa (ou preguiçosa, para deixar de lado o eufemismo), em parte porque toda descoberta é precoce.
Pronto. Eis a descoberta precoce: A precocidade de toda descoberta. É uma lei. Toda grande idéia que pode mais facilmente ser encontrada que buscada nos ocorre durante os primeiros anos de vida. O resto do tempo passa-se mostrando o pedregulho pros outros.
E o melhor da fórmula é valer sobre si mesma. A lógica torna-se muito mais prazerosa nas raras ocasiões em que uma lei com poder sobre seu próprio enunciado é (precocemente) descoberta. Foi o caso, como não poderia deixar de ser.
Mas não é muita coisa dizer que cheguei com encantadora facilidade a conclusão tão interessante numa tenra idade - minha idade, se não se pode mais dizer que é tenra, é quase. O que há de inegável é que tudo que eu sei apenas porque sei, e não poderia saber de outra maneira, eu sei desde cedo; são poucas coisas, que gosto muito de repetir e explicar, para desdouro da minha reputação de modesto. Foram todas descobertas precoces, e a lei que prevalece sobre todas, ainda que também descoberta antes do tempo regulamentar, foi a última.
Há dois tipos de pessoas: As que aprendem sozinhas e as que são ensinadas. Assim, todo piloto de avião é um aluno indireto de Santos Dumont, que aprendeu a pilotar de metido que era. O descobridor aprende, o piloto é ensinado; mas não há imediatismo no processo. Depois que se descobre o que ninguém sabia, há toda uma fase de trabalho chato, que na minha analogia corresponde à vida adulta. O produto desta lapidação pode ser uma bijouteria muito da vagabunda, e na maioria das vezes é; depende mais da matéria que se tinha no começo de tudo que do esforço que foi feito em transformar aquilo em algo útil ou belo.
O que concluo de tudo isto? Nada. Cedo concluí também que conclusões filosóficas são geralmente chatas e dificilmente válidas; seu único valor é emprestar às minhas opiniões pessoais uma aparência de verdade universal, o que tem muita utilidade para enganar professoras da quinta série e parceiros de xadrez. Se alguém aqui for um parceiro de xadrez, ou professora, preste atenção: O que concluo disso tudo é que se você não foi uma criança prodigiosa com idéias ofensivamente inteligentes, não acredite que há chances de você tornar-se um gênio. Não há. E agora veja: esta nota foi injusta, ou eu não acredito que você vai fazer esta jogada.
Humpf, parei.

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Cansei desse negócio de falar 

Cansei desse negócio de falar de religião metodicamente - vão ler o Pró Tensão, que faz isso muito melhor que eu jamais farei.
Estou quebrando recordes de inatividade. Da próxima vez eu canso de uma coisa antes de começar, vocês verão.
Hoje ainda, post novo.

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1/13/2005

As Chaves - Parte 1: A Aposta 

Eu devia ter uns seis anos. Foi depois de uma missa, quando eu pensava a sério sobre a minha fé que constatei que toda fé é baseada no que os descrentes chamam de nada, porque é ausente da vida deles. Pensar sobre a fé, não sendo necessariamente a causa, antecedeu uma ligeira queda de fé – semelhante a uma queda de pressão: Indesejável, mas inevitável. E esta queda foi a causa de uma conclusão que depois vim a conhecer como “Aposta de Pascal”, que minha brilhante mente de seis anos deduziu sozinha e sem muito esforço. Para quem não conhece, define o Alexandre Cruz Almeida: Mesmo sem acreditar, vale a pena apostar que Deus existe. Afinal, se ele não existir, não estaremos cometendo heresia contra o universo aleatório. E, se existir, podemos ganhar a felicidade eterna.
O Alexandre diz que faz sentido, mas não dá. Eu, anos depois, digo que dá sim. O problema é o “Mesmo sem acreditar” o que nem eu nem Pascal poderíamos dizer, de nossos pontos de vista religiosos. Quando você de fato decide acreditar é porque você já está acreditando.
Acontece que a aposta, como toda aposta, exige confiança, ou seja, acreditar que é possível estar certo. Quem aposta não sabe se vai ou não ganhar. O impedimento a que um ateu faça a aposta é que se ele é ateu, não acredita. Por isso, não consegue apostar. Para ganhar esta confiança eu não sei, sinceramente, o que se deve fazer. Já passei por crises de fé, já cheguei a ser ateu, mas não sei se recuperar a fé perdida é equivalente a fazer nascer uma fé que nunca se sentiu.
Quanto aos agnósticos, vale a mesma regra: Para confiar é preciso crer na possibilidade acima da impossibilidade. O estado de quem não consegue decidir é o estado de quem não vai se arriscar. É no mínimo triste e monótono, em comparação com a religiosidade e mesmo com o ateísmo.
A Aposta de Pascal, como a minha e de todo crente, como toda aposta, não se resume a um apostar em algo, mas também em continuar apostando, que é a principal conseqüência de adotar esta postura. O ateu está preso à certeza da inexistência; o agnóstico não se livra da sensação de que nunca vai saber; o deísta dogmático está também preso a uma certeza nunca experimentada. Aquele que aposta usa o critério: Quando a fé diminui, quando outro caminho aparece, sigo o que me leva ao destino que escolhi; se o destino estiver errado, não perdi meu tempo, mas se estiver certo, é do tempo que eu me livrei.
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As chaves - Introdução 

A série sobre as prisões do Alexandre Cruz Almeida é uma coisa, quase sempre, sensacional. Ele teve sacadas muito boas sobre grande parte daquilo que se meteu a falar.
Sobre religião, sendo ele ateu e eu cristão, discordamos sobre quase tudo a priori. A publicação de sua Prisão Religião me levou a elaborar esta série - As chaves - que não é uma refutação, mas uma demonstração de como um cristão (no caso eu) lida com as questões que ele considera.
Não se tratando de uma refutação, não vou seguir a ordem temática que ele seguiu. A primeira parte de minha série trata sobre a Aposta de Pascal, tema da parte IV da série do Alexandre. A segunda pode mesmo ser proposta por vocês - e assim vamos levando.

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1/10/2005

Teste de afinidade filosófica, aqui. O meu resultado até que chegou perto, mas sem Kierkegaard não dá para ser 100%. Aproveitem para ler a Prisão Religião no blog daquele ateu safado que, tirando isso, até que é gente boa.

1. St. Augustine (100%)
2. Spinoza (77%)
3. Aquinas (75%)
4. Stoics (56%)
5. Plato (54%)
6. David Hume (51%)
7. Jean-Paul Sartre (50%)
8. Kant (49%)
9. Nietzsche (49%)
10. Cynics (45%)
11. Nel Noddings (44%)
12. Ockham (43%)
13. Aristotle (40%)
14. Ayn Rand (38%)
15. John Stuart Mill (36%)
16. Jeremy Bentham (34%)
17. Epicureans (26%)
18. Prescriptivism (22%)
19. Thomas Hobbes (21%)

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1/05/2005

Hoje vai ter uma sesta 

No aniversário do Naïf Gendarme, quem ganha o presente é você.

Todo dia
Todo dia, no caminho habitual, vejo
um senhor correndo.
Seu suor, decorrente do exercício, causa
em seu rosto, escorrendo,
esta impressão: mesmo que esteja quieto,
vejo-o sempre gemendo;
e na roupa a figura acidental do
Bob Marley - Horrendo!
Todo dia eu o vejo e nada digo. Sim,
pois sei que está morrendo
de cansaço. Carregar o Bob Marley é
um esforço tremendo!

Meu post mais antigo do qual ainda gosto. Nem parece que já faz um ano.
Talvez cheguemos a dois. Obrigado a todos, todos mesmo, que me ajudaram de uma ou outra forma.

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