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Todos os textos © por Igor Barbosa ou devidamente creditados.

11/29/2004

Deus diante da Inocência, quarta e última parte 

O bilhete era branco sobre a mesa bege; estranho que estivesse tão visível. Ela imaginou que o pedacinho de papel fosse crescer até se tornar um tapete mágico, e esperou a transformação, que não aconteceu. Papel dobrado. Papel desdobrado. Quatro linhas borradas. Primeira linha, olhos forçados, o assassino de lança erguida cada vez mais nítido contra a paisagem. O inimigo chegou.

“Eu não sei”

Ponta de lança entre duas costelas, insolentemente afrontando o peito. Segunda linha. Será que ele pode afastar a lança e restituir a paz?

“Eu não posso”

Onde está aquele cretino agora? Ponta de lança tentando sem motivo e sem sucesso desviar dos pulmões em seu caminho até o coração. Terceira linha. Onde está o cretino numa hora dessas? Tem que estar em algum lugar, não é mesmo?

“Eu não estou”

Um coração na ponta de um espinho, um espinho na ponta de um bastão. Instante interminável. Ele não é quem eu pensei, ele não é...

“Eu não sou”

E a inocência chorou diante de Deus.

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Terceira Parte
Segunda Parte
Primeira parte

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11/26/2004

Deus diante da Inocência, terceira parte 

A hipótese criacionista não suportaria uma nova comprovação a partir da perfeição nada ocasional de parte da natureza, seja uma mulher ou um talo de grama. Há quem consiga acreditar que de acaso sobre acaso resultou a mesma testa oleosa dentro da qual acredita nestes acasos, há os que crêem no contrário, e há ele, que acordado desde minutos antes, foi-se dando conta ao vê-la se espreguiçando: “Caramba, eu existo! Eu existo!”
Ela o abraçou com os braços suculentos e disse:

- Acredito mais na sua existência do que na desta cama.
- Se a cama deixasse de existir, de uma hora para outra, você cairia no chão.
- Se você deixasse de existir, de uma hora para outra, eu cairia num lugar muito pior.
- Ainda bem que você sabe.
- Ainda bem.

E a cama sumiu de sob os corpos, e os corpos flutuaram no espaço durante um instante interminável, e o instante interminável terminou, e a potência revelou-se onipotente, e quem tinha olhos pôde ver, e Deus sorriu diante da inocência.

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Segunda Parte
Primeira parte

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11/25/2004

Glub, Glub 



Nesse eu vou. Quem me encontra lá?
E mais tarde tem mais Deus Diante da Inocência, para comoção e delírio da massa.

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11/24/2004

Deus diante da Inocência, segunda parte 

No dia seguinte, em frente à porta da casa dela, lá estava ele (ou Ele). Dois bancos atrás, no metrô; em frente ao prédio onde ela trabalhava; no restaurante do almoço. Onipresente, sem dúvida. Chegou a concluir (não seria tão bonita se também fosse genial. Parte da beleza está em concluir o óbvio como se fosse difícil e num momento em que já não é certo) que quando alguém busca aquele que está em todo lugar, já o encontrou. Ele que sempre havia andado atrás dela viu-se convertido de perseguidor a alvo. Aceitou a pena que havia de sofrer; tornou-se ainda mais onipresente para sua eleita.

Em poucos dias ele deixou de estar na calçada oposta à da casa dela, e passou a estar na sala quando ela saía do quarto; depois no quarto, sobre a cama, quando ela saía do banho, os cílios sombriamente unidos, água benta escorrendo canela abaixo. É muito mais confortável orar quando Deus está em sua cama, apoiado nos cotovelos, com expressão fingidamente atenta de quem já sabe o que vai ouvir.

- Deus, perdoe-me, porque pequei; hoje fiquei jogando no computador quando devia trabalhar e mandei dizer que não estava quando a Márcia me ligou.
- Eu perdôo, eu perdôo – e Deus sorriu diante da inocência.

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Primeira Parte

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11/22/2004

Deus diante da Inocência, primeira parte 

Ele estava acostumado a amá-la distante e insistentemente, como uma pulga ama do cachorro apenas a pele, não suspeitando o mais que há – E o cachorro, ainda que tocado apenas na mínima porção do que é, se incomoda. Ela não sentia por ele nada muito diferente do que se sente por um venusiano ou um esporo de samambaia que eventualmente roçassem sua blusa. Viviam assim os minutos, as horas, os dias. Os anos, não fosse uma oração que ela um dia achou de fazer.
Ela era tão bonita que não seria justo que tivesse um nome. Acreditava em Deus como costumavam acreditar as mulheres bonitas nos tempos em que estas eram igualmente mulheres e bonitas: Com a alma ignorante e sinuosa. Deus, como as tempestades e as bruxas, era algo que se devia buscar e temer, de acordo com a situação.
Houve então um dia em que ela lembrou de ter ouvido um pregador dizendo que devemos ver Deus nas pessoas, amá-las como se fossem Deus, e assim seria. É verdade que o tal não era grande coisa como pregador, tinha uma dicção feia, pregava para convertidos. Mesmo assim ela achou uma boa idéia. E, como sempre, lá estava ele, no momento em que decidiu tentar.

- Deus , se você é possível que você seja ele, ele será Deus para mim.

E Deus sorriu diante da inocência.

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11/16/2004

Admissões, confissões, constatações 

O orkut morreu.
Novos clichês são fomentados por blogs; um é a metáfora que encara um blog como uma casa, e o layout como decoração. Porque ninguém compara um blog a um sapo-boi? "O verdinho está nos trinques, só falta agora melhorar um pouco o olho direito". Nothing personal, caros. Mas que é, é.
Eu estou levemente gordo. Desde ontem fiz 250 abdominais (um recorde), 60 segurando dez quilos de ferro no peito. Se fossem dez quilos de palha o efeito seria o mesmo, mas ser-me-ia mais difícil abraçá-los.
Tenho muito azar com minhas originalidades; alguém sempre me copia antes de mim.
Criança é tudo gentinha.
Romances dão preguiça.
Solavancos. Coisas que me incomodam realmente. Quando estou realmente chateado comigo mesmo, escrevo textos solavancados. Para me castigar. Assim. Viu?

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11/03/2004

Fiodor é Dostoievski, Lev é Tolstoi, Franz é Kafka. A vantagem destes sobre mim é o sobrenome, que os tinham muito mais incomuns do que eu. Eu, se quiser ser Barbosa apenas, vou precisar ser um escritor muito bom também – Existem muito mais Barbosas que Kafkas no mundo. O triste é que poucos são escritores, e não ter concorrentes é triste.

(Perceberam uma contradição? Deixa ela lá. Contradições são como lagartixas: Se você não mexer, ela fica lá na parede, depois anda um pouco – para recordar os olhos da sua presença. Se você tentar apanhá-la ela deixa o rabo na sua mão e foge. Já o mau estilo é uma barata)

Barbosas, conjuro-vos! Gladstone, abandone a vida científica e torne-se literato! Não lhe falta talento! Quero oponentes de meu sobrenome, quero vencer meus familiares, quero o primeiro lugar nos verbetes Barbosa das enciclopédias do futuro!

(Cacoete que tenho é de considerar algo romântico a inimizade, e encher de exclamações trechos sobre rivalidade. Imaginem-me bêbado, deixando a taberna para estapear com a luva todo Barbosa que encontrar. Agora esqueçam)

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11/01/2004

Conto curto 

Encarnação

Encarnação do Erro era uma viúva prestes a, como diria, "contrair segundas núpcias" com Valente Amado, espadaúdo e reformado major.
Na noite antes da boda, ineditamente úmida e ventosa, Encarnação acordou (não sabia que horas eram) e, depois de olhar pela janela, enxergando com muito sacrifício a casa do Valente Amado, que ficava do outro lado da rua, voltou para a cama e dormiu novamente, desta vez um sono pesado e feliz.Dez horas depois tornava-se Encarnação do Erro Amado. Mudou-se para a casa no fim da rua, onde foi – ou melhor, está sendo – infeliz para sempre, embora minha bola de cristal não tenha precisão para além de 3007. Que importa? Daqui diremos: Infelizes para sempre!

Sua filha nasceu um ano e meio depois; chamou-se Encadernação e morreu solteirona, incrivelmente parecida com uma azeitona verde deixada fora do pote com salmoura.


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